quinta-feira, 20 de março de 2008

Crioulos de base portuguesa



Da autoria de Dulce Pereira, é o número 3 da Colecção "O essencial sobre Língua Portuguesa", da Caminho.
Parte-se do princípio, hoje consensual (mas ainda quase só entre os estudiosos), de que um crioulo é uma língua natural, formada a partir de um específico contacto entre línguas, em que há um claro predomínio, embora mais lexical do que gramatical, da língua de superstrato, que aufere de mais prestígio e poder funcional.
A língua portuguesa, associada a circunstâncias históricas conhecidas, está na origem de crioulos de grande vitalidade, como é o caso muito especial do cabo-verdiano, uma língua que também por cá se fala, "inclusive" nos pátios das nossas escolas. Outros crioulos africanos de base lusa são os da Guiné-Bissau e os de São Tomé e do Príncipe. Tudo no plural, porque, num mesmo país, os crioulos não são uniformes e dependem das línguas de substrato. No Oriente, a autora refere o Korlai, na Índia, e Papia Kristang, em Malaca - ambos ainda vivos.
Em Angola e em Moçambique não se desenvolveram crioulos, o que reforça a convicção de que essas línguas emergem num clima de marcada insularidade, ou, pelo menos, em espaços circunscritos em que se concentraram populações de origens muito diversificadas.
Na época pós-colonial em que vivemos, as línguas crioulas (e com elas as culturas crioulas), em particular as de base portuguesa, são realidades linguísticas e, "latu sensu", culturais em que se depositam legítimas expectativas.


Transcrevo do livro um breve texto escrito em crioulo cabo-verdiano, seguido da tradução em Português:

Gjoka Maninha, dispos d'uns anu na Sul, e ranja getu e ben tera mata sodadi p'e odja modi ki kusas sta. Familia fika pa tras. Asi si nisisidadi panha-l ta susti-el so.
E txiga, kabu ka staba sima e dexaba. Kusas nobu pa tudu banda. Pilorinhu fartu. Tera libri sen skrabatura ki fulia-l pa kosta baxu.

Joca Maninha, depois de uns anos do Sul [São Tomé], arranjou forma de vir à terra matar saudades, para ver como as coisas estavam. A família ficou para trás. Assim, se passasse necessidades, aguentava-as sozinho.
Chegou, o sítio não estava como ele o tinha deixado. Coisas novas por toda a parte. O mercado farto. A terra, livre, sem a escravatura que o tinha enviado pela Costa abaixo.

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